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  • Foto do escritorEquipe Artistas Latinas

FISSURA: há mais de 10 anos na difusão do trabalho de mulheres nas artes visuais


São muitos os projetos sobre Arte, Gênero e Feminismos que tem pipocado na internet. Mas engana-se quem pensa que esse fenômeno surgiu nesses últimos anos.

Quando ainda morava em Brasília, lá nos remotos tempos da graduação em Artes Visuais, conheci a Fissura que trabalha na promoção de equidade de gênero e racial por meio de produção de conteúdo on-line e ações para a visibilização de mulheres nas artes visuais desde 2010.

Formada por Ana Carolina Lima Corrêa, Nina Ferreira e Tauana Macedo. Essas três artistas e educadoras sentiram falta de um espaço onde pudessem encontrar informações sobre mulheres nas artes e resolveram fazer algo a respeito. Então, ainda na faculdade, começam a criar um espaço que pudesse servir como um banco de dados com materiais para estudantes e professores, além do público interessado. Desde então tem feito um importante serviço de publicação de entrevistas, tradução de textos, vídeos, notícias e análises sobre esse assunto.

E fico muito feliz de abrir a primeira entrevista de 2021 com a Fissura nos contando um pouco dessa trajetória:

Alexandra Martins: Me conta um pouco da história desse projeto, motivações e objetivos.

Fissura: O Coletivo Fissura foi formado em 2010 quando, durante a graduação em Artes Visuais, percebemos a falta de referências de artistas e críticas de arte e, ao mesmo tempo, falta de revisões históricas acerca de artistas que tiveram suas produções eclipsadas por figuras cisgêneras masculinas ou pela misoginia estruturante das instituições artísticas.


Começamos a escrever textos sobre artistas por meio de uma página na internet, e também realizamos traduções de textos. A potência da iniciativa reside em fomentar discussões e reflexões sobre equidade de gênero, disponibilizando um conteúdo acessível e em português, sendo fonte de pesquisa para professoras, estudantes e pessoas interessadas no geral.


Compreendemos que para que possamos ter avanços na busca por equidade de gênero, em todas as áreas do conhecimento, é necessário ter um olhar crítico sobre a história e dar visibilidade às contribuições de mulheres que foram silenciadas, eclipsadas ou abertamente desvalorizadas em seu tempo. Sem revisões e mudanças que pautem a representatividade no campo das Artes Visuais não há como criar novos imaginários, uma vez que as imagens que vemos não apenas apresentam um olhar sobre o mundo como, por vezes, protagonizam o desenvolvimento de nossa subjetividade.


Nosso maior objetivo é contribuir para a equidade na área das artes visuais, fazendo a difusão do trabalho de artistas mulheres e sapatonas não-bináries, abrindo espaço para debate e formação.


A.M.: Quais projetos vocês tem dado andamento?

F: Atualmente estamos com o Fissura Entrevista, no qual entrevistamos mulheres atuantes na área das artes visuais; o Mapeamento Nacional Mulheres nas Artes Visuais, em que realizamos um mapeamento de mulheres atuantes na cadeia produtiva das artes visuais; continuamos alimentando o site com conteúdos novos e começamos a promover cursos online, ministrados por convidades e com temas afins às artes e às questões de gênero.

Para fazermos a manutenção de todos esses projetos, lançamos uma campanha de financiamento colaborativo, por meio do qual pretendemos também construir a plataforma que dá acesso aos dados do Mapeamento, em nosso site.


A.M.: Há 10 anos vocês têm acompanhado o cenário de mulheres nas artes visuais. Qual avaliação que se consegue fazer desse meio? Muita coisa mudou?

Nina Ferreira: De dez anos pra cá com certeza muita coisa mudou em termos de visibilidade. Lembro que nossa primeira postagem, em Junho de 2010, tinha a imagem de um trabalho das Guerrilla Girls, um grupo de mulheres que realiza ativismo na arte desde 1985, questionando e expondo a misoginia presente no sistema das artes visuais, e que recentemente esteve no Museu de Arte de São Paulo. Hoje se fala de Artemisia Gentileschi, por exemplo, uma pintora barroca italiana que foi reconhecida em seu próprio tempo e depois eclipsada nas escolhas políticas da História da Arte, sendo que o texto do nosso site foi um dos primeiros (senão o primeiro) sobre ela na internet, em português. Então existe um mérito das movidas feministas, por podermos ver isso hoje circulando no Instagram como uma afirmação que derruba a antiga tese, cujos efeitos ainda vivemos (infelizmente), de que há um déficit intelectual em pessoas reconhecidas como fêmeas ao nascer, o que justificaria a ausência de mulheres no “pódio da genialidade artística” de períodos como o de Artemisia.

Também há uma ascensão recente da visibilidade e circulação do trabalho de artistas negras e indígenas, que se deve muito a dois projetos políticos: as movidas culturais e religiosas afroindígenas e ao sistema de cotas raciais nas universidades, implementado no Brasil no início dos anos dois mil, ele mesmo fruto de uma movida secular de comunidades racializadas. Esse sistema não tem como resultado, exclusivamente, a entrada de pessoas negras nas universidades públicas, mas fez emergir o debate intenso e uma demanda agora muito mais ruidosa de revisão da História Oficial, sob os olhares de quem esteve no lugar de “o outro exótico” por séculos e agora pode exigir a leitura de intelectuais de suas próprias comunidades que tinham sido, quando muito, subestimades pelo meio acadêmico... Exigir o fim do epistemicídio, o que inclui uma demanda também no campo das artes visuais.

Então foi uma guinada vertiginosa? Não. Quando vejo como se dá a maior presença e circulação de artistas e curadoras negres e indígenas, e projetos como o da MUNA - criada por Fabíola Rodrigues e Mariana Matos - , que realizou a primeira residência artística voltada para artistas negras no Brasil, percebo que ainda é um esforço muito grande e um enfrentamento intelectual mesmo, das mulheres e de pessoas de grupos subalternizados, muitas vezes sem tanta gente pra fazer coro quando se fala de disponibilização de recursos... Nada mais coerente, uma vez que estamos falando da misoginia e do racismo, que são estruturantes. Mas essa presença recente, junto com a presença de artistas da dissidência sexual, também diz do aprofundamento dos debates feministas, que vêm perdendo um tanto da verve cisheteronormativa e colonial (controversa por si só) que já foi taxativamente dominante, décadas atrás.

E é um privilégio, ainda que suado, ser uma pessoa negra da comunidade LGBTI+ e co-fundadora do Fissura, fazendo parte desse “desafiar” o imaginário misógino racista no âmbito das artes visuais para além da academia.

Tauana Macedo: Lembro que, quando a gente a começou o coletivo, era muito mais difícil encontrar materiais sobre mulheres nas artes, tanto no curso de artes visuais quanto na internet. Hoje, há uma atenção maior para as questões de equidade em relação a grupos minorizados, que se reflete na quantidade bem maior de pessoas e grupos que produzem ou divulgam conteúdos com esse perfil. Embora o trabalho de mulheres nas artes tenha ganhado maior visibilidade nos últimos anos, segue sendo mais difícil encontrar informações sobre mulheres negras, indígenas, LBT, com deficiência, periféricas e/ou de países não hegemônicos atuando artes visuais do que mulheres brancas, cisgêneras, heterossexuais, sem deficiência e dos grandes centros de produção (Europa e EUA, em termos mundiais, e São Paulo e Rio de Janeiro, em termos nacionais). Isto é, ainda há muito o que ser feito para se aproximar de uma equidade quando se fala do trabalho de mulheres nas artes como um todo, e ainda mais em relação às mulheres que fazem parte de outros grupos não-hegemônicos.

Ana Carolina Lima: Nos últimos dois anos temos acompanhado ações de grandes instituições de arte trazendo exposições e ações formativas que tratam de temas como raça-etnia, gênero, sexualidades e corpos dissidentes. Um exemplo é o último salão do MAC Paraná que disponibilizou os dados sobre as inscrições, evidenciando as identidades das pessoas participantes, com o intuito de repensar a composição do acervo, considerando grupos subalternizados historicamente nas artes visuais. Ressalto que isso é pouquíssimo ainda em termos institucionais. Creio que não se deve tomar essas atitudes de maneira ingênua. São ações que vem tardiamente antenar-se às discussões que há anos são postas em pauta e que eram sumariamente rechaçadas até pouco tempo atrás e continuam não sendo levadas, em sua maioria, até a radicalidade necessária, de maneira interseccional. Prefiro ressaltar e evidenciar as atuações de profissionais que se engajam e bancam ações que oxigenam o nosso meio como: Diane Lima, Jota Mombaça, Hélio Menezes, Cíntia Guedes, Daiara Tukano, Pêdra Costa e muitas outras pessoas e projetos essenciais (Trovoa, Magenta entre outros).


A.M.: Quais estratégias têm realizado nesta pandemia para manter contatos com seu público e produção de conteúdo e quais os planos futuros?

F: Tínhamos programado antes do início da pandemia o lançamento do financiamento coletivo pelo Apoia-se. Por conta da pandemia optamos por não fazer um vídeo com todes presentes. Lançamos o apoio e iniciamos uma produção de conteúdo pelo Instagram. O nosso foco era a produção de conteúdo para o blog anteriormente, essa foi a nossa formação. Transformamos assim o blog em um site e continuamos assim a produção de conteúdo para o site e para o Instagram e abrimos uma chamada para o envio de textos.

Nesses últimos meses do ano estamos – duas de nós – em período de finalização de dissertação, então reduzimos um pouco o ritmo. Agora em dezembro iniciamos uma normalização de nossas atividades e lançamos cursos livres on-line para viabilizar financeiramente as ações do Fissura utilizando a nossa experiência com a docência e a pesquisa desses 10 anos. Eu, Ana Carolina, tenho me dedicado a lecionar cursos sobre Artes Visuais e Feminismos desde 2019, também tendo feito falas e palestras sobre o tema desde antes. Podemos dizer que com nossas últimas empreitadas atualmente o Fissura é uma plataforma e visamos ampliar ainda mais as nossas ações com o apoio coletivo. Assim, a nossa ideia é abordar temas contemporâneos essenciais nas artes, humanidades e cultura em geral em formato de cursos livres mediados por nós e por pessoas convidadas.


Encontre a Fissura nas redes




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por

Alexandra Martins


Sobre a autora

Alexandra Martins nasceu em Brasília e já morou em Fortaleza, Juazeiro do Norte e Salvador. Artista interdisciplinar, Investiga memórias, ancestralidades e identidades nas criações artística de performance, instalação, fotografia e vídeo. Mestra em Estudos de Gênero e Mulheres pela UFBA. Especialista em Estudos Contemporâneos em Dança pela mesma instituição. Especialista em Artes Visuais pelo SENAC-DF. Graduada em Comunicação, Jornalismo. Integrou o Grupo de Pesquisa em Performance Corpos Informáticos (UnB) e fez parte da coletiva Tete a Teta. Também fez parte da Feminaria Musical, Grupo de Pesquisa em Experimentos Sonoros (UFBA). Teve trabalhos selecionadas para apresentar no Tubo de Ensaio (Brasília); Performance Corpo e Política (Brasília); Lacuna: Mostra de Videoarte (Brasília); Ruído. Gesto - Ação e Performance (Rio Grande do Sul); Festival de Fotografia de Porto Alegre; II Mostra de Arte e Gênero (Florianópolis); Continuum: Festival de Arte e Tecnologia (Recife); Encuentro de Acción en Vivo y Diferido (Colômbia) e no Hemispheric Institute of Performance and Politics (México). Participou das seguintes residências artísticas pelo Nordeste: Corpo em Casa (Salvador) e Sala Vazia (Fortaleza).




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