Queria abrir a primeira posta gem de 2021 questionando as referências. Mas não as questiono sozinha (Não mexe comigo que eu não ando só, já cantava Maria Bethânia).
Trago nessa luta a Mamana coletiva brasileira de fotógrafas que, em dezembro do ano passado, lança o “Manifesto contra referência” após um comentário polemico do fotógrafo Miguel Rio Branco ao afirmar que as imagens estavam se tornando banais.
Ao questionar a quem interessa essa “banalidade“ das imagens, as Mamanas ainda reafirmam que vivemos um momento histórico. As referências mudaram. E essa mudança é urgente!
Ora pois, Miguel Rio Branco se esquece (ou não percebeu ainda) como a fotografia é uma forte tecnologia de poder e quando mal utilizada apenas reforça a hegemonia de ideias ultrapassadas. E que agora, o momento é de reflexão e transformações em busca de pluralidade, igualdade, diversidade e possibilidades.
E para isso acontecer as referências tem que mudar.
Clique aqui para assinar a petição do manifesto
Página da coletiva: @mamanacoletiva
Manifesto contra referência
Vivemos um momento histórico. As referências mudaram. E essa mudança é urgente!
Populações marginalizadas e socialmente vistas como minoritárias passam a ocupar locais antes delegados às elites. Propor uma reflexão a partir do olhar de quem teve a imagem massivamente explorada e roubada, é inadiável.
Na última segunda-feira, dia 7 de dezembro de 2020, a Folha de São Paulo publicou: “Miguel Rio Branco, um fotógrafo gigante diz que imagens se tornaram banais.”. E a gente se pergunta: banais pra quem? Para os comunicadores/multiartistas populares que estão começando a ter visibilidade? Para aqueles que estão usando câmeras de celular, tablets e equipamentos semi-profissionais para retratar o seu próprio lugar? O que fotógrafos que incentivam esse tipo de discurso têm a perder afirmando isso: privilégio.
Até hoje, as populações originárias e tradicionais, os corpos negros, as mulheres, corpos com deficiência, gordos, LGBTQIa+ estiveram, majoritariamente, a frente das câmeras como alvo e não como corpo pensante e parte dessas narrativas. Foram marginalizados, sofreram com o apagamento e o abuso de uma profissão essencialmente colonialista, machista, misógina e hegemonicamente protagonizada por homens brancos e de classe media/alta. Homens esses que ocupam e protagonizam histórias a partir de suas percepções, do olhar desbravador - a salvação sobre um lugar, um corpo, uma raça, um gênero desde sua origem.
Retirar a possibilidade de quem não teve acesso às mesmas oportunidades, institucionaliza o discurso e a produção imagética, perpetuando um olhar colonizador, viciado e violento. Quando colocamos a fotografia como ferramenta de extração, falamos a partir de uma relação de poder – que reforça os estereótipos, romantiza a pobreza, expõe uma população/território a uma história única. E histórias únicas não são mais bem-vindas porque congelam grupos e pessoas à caricaturas que não correspondem à realidade diversa e complexa. Populações marginalizadas estão para além da fantasia e do imaginário popular, quase sempre preconceituosos.
Acessibilizar a fotografia é possibilitar a todos que contem sobre suas realidades, denunciando o que enxergam de acordo com suas demandas. Possibilitar que o indígena possa fazer a documentação do próprio povo, que o quilombola comunique como se vê diante do mundo, é ampliar as narrativas e repensar o que já foi contado, como e por quem. Popularizar o discurso de que todos podem fazer suas documentações coloca em risco um lugar que historicamente sempre foi ocupado por homens armados com suas teleobjetivas, apontadas pro “exótico” ou/e para a “terra inexplorada”, desumanizando tudo em nome da arte/estética, transformando tudo em produto.
Aliar-se a luta por direitos é também questionar essa produção de imagens que rotula existências. A fotografia não é neutra e quando ela se furta em narrar as diversas facetas de uma história ela é selvagem. Não é mais possível narrar as histórias a partir de uma única perspectiva, uma ótica explicitamente embranquecida. As referências mudaram.
Convidamos outras coletivas, outras mulheres e homens que se alinham com nossos posicionamentos para construirmos juntes alternativas a esse modelo falido, da fotografia e das artes e das mídias, de um modo geral. Vamos construir novos caminhos e novas referências!
Mamana Coletiva
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por
Alexandra Martins
Sobre a autora
Alexandra Martins nasceu em Brasília e já morou em Fortaleza, Juazeiro do Norte e Salvador. Artista interdisciplinar, Investiga memórias, ancestralidades e identidades nas criações artística de performance, instalação, fotografia e vídeo. Mestra em Estudos de Gênero e Mulheres pela UFBA. Especialista em Estudos Contemporâneos em Dança pela mesma instituição. Especialista em Artes Visuais pelo SENAC-DF. Graduada em Comunicação, Jornalismo. Integrou o Grupo de Pesquisa em Performance Corpos Informáticos (UnB) e fez parte da coletiva Tete a Teta. Também fez parte da Feminaria Musical, Grupo de Pesquisa em Experimentos Sonoros (UFBA). Teve trabalhos selecionadas para apresentar no Tubo de Ensaio (Brasília); Performance Corpo e Política (Brasília); Lacuna: Mostra de Videoarte (Brasília); Ruído. Gesto - Ação e Performance (Rio Grande do Sul); Festival de Fotografia de Porto Alegre; II Mostra de Arte e Gênero (Florianópolis); Continuum: Festival de Arte e Tecnologia (Recife); Encuentro de Acción en Vivo y Diferido (Colômbia) e no Hemispheric Institute of Performance and Politics (México). Participou das seguintes residências artísticas pelo Nordeste: Corpo em Casa (Salvador) e Sala Vazia (Fortaleza).
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