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  • Foto do escritorEquipe Artistas Latinas

Carta aberta para Artistas Latinas e Entrevista com Aline Motta

Queridas, queridos e querides leitores desse blog,

Sei que ando um pouco sumida por esse site. Mas como não sumir diante de tanta regressão economia, social e de sonhos possíveis?

Talvez a gente não consiga andar dois passos. Mas tenho acreditado cada vez mais que é possível dar pequenos passos de cada vez e essa carta aberta é um pequeno passo para esse retorno com vocês.

Nesse espaço de silêncio que me dei entendi a importância de se respeitar o tempo como entidade importante que rege os acontecimentos. Por isso o tempo alargado para poder voltar com mais foco.

Recordo os preceitos de minha avó que me ensina como podemos falar muito com muito pouco. A partir disso, as entrevistas do blog vão mudar um pouco e, ao invés de fazer várias perguntas para minhas entrevistas, vou me conter em três perguntas.

E nessa nova fase eu trago uma entrevista que fiz com Aline Motta. Ela nasceu em Niterói (RJ), vive e trabalha em São Paulo. É bacharel em Comunicação Social pela UFRJ e pós-graduada em Cinema pela The New School University (NY). Combina diferentes técnicas e práticas artísticas, mesclando fotografia, vídeo, instalação, performance, arte sonora, colagem, impressos e materiais têxteis. Sua investigação busca revelar outras corporalidades, criar sentido, ressignificar memórias e elaborar outras formas de existência. Foi contemplada com o Programa Rumos Itaú Cultural 2015/2016, com a Bolsa ZUM de Fotografia do Instituto Moreira Salles 2018 e com 7º Prêmio Indústria Nacional Marcantonio Vilaça 2019. Recentemente participou de exposições importantes como "Histórias Feministas, artistas depois de 2000" - MASP, “Histórias Afro-Atlânticas” - MASP/Tomie Ohtake. Abriu sua exposição individual "Aline Motta: memória, viagem e água" no MAR/Museu de Arte do Rio 2020.


Alexandra Martins: Aline, seus trabalhos sobre a trajetória da sua avó também levantam a história de embranquecimento do Brasil e o desconforto do racismo na trajetória da formação da população brasileira. Mas eu fico com a impressão que é um trabalho feito para trazer um horizonte de felicidade e de possibilidade de futuro. Diante disso, o que você quer dizer de novo para o mundo?


Aline Motta: Sim, ao mesmo tempo em que eu abordo questões difíceis no meu trabalho em relação ao embranquecimento da população brasileira, que foi inclusive política pública instituída e subsidiada desde o início da República, eu procuro falar sobre isso de maneira a conter diversas nuances e perspectivas, sem fugir das contradições e conflitos em torno deste tema. Ainda usamos palavras muito violentas, como “mestiçagem”, “miscigenação”, também usamos a palavra “sincretismo” em vários campos, de modo que talvez precisemos criar todo um novo vocabulário para conseguir expressar a complexidade da formação de nossas famílias e das estratégias de que se valeram para sobreviver. Quando eu faço um mergulho para trazer estas questões à tona, eu procuro fazer de maneira profunda e densa, mas também oferecendo um gesto em direção ao outro, numa perspectiva de que esse encontro possa ser uma afirmação da vida. O trabalho propõe uma abertura ao diálogo, em que as pessoas possam preencher aquele horizonte que eu criei com suas próprias histórias de vida e subjetividades, e talvez até trazer algum entendimento e uma possibilidade de reparação.


A.MA: Você circulou bastante nesses últimos anos, tanto dentro quanto fora do país. E mesmo com a pandemia teve participações em importantes eventos do Brasil, como o Festival Internacional de Cinema de Berlin, a Berlinale, o Festival Internacional de Fotografia de Belo Horizonte, o Cachoeira DOC e entre outros. Qual balanço você faz disso tudo?


A.MO: Acho que cada vez mais o trabalho se abre para novas possibilidades e diálogos pelo mundo e isso faz com que eu possa sonhar com uma continuidade da minha carreira como artista. Passamos por um momento de um ataque muito duro a nossa cultura, que tem propagado e amplificado um discurso de ódio e de morte, ceifando vidas e subjetividades. Encontrar uma saída para isso só pode ser feita coletivamente. Espero que consigamos nos organizar para reverter esse quadro, antes que a situação se agrave ainda mais.


A.M: Essas três simples perguntas demoraram mais de três meses para serem feitas porque tem muito material sobre suas pesquisas artísticas (entrevista, crítica, falas abertas gravadas) e demorou um certo tempo para compreender tudo isso que você nos convida a conhecer e saber escolher o que perguntar. Mas recordo que em uma das entrevistas você traz uma fala de Audre Lorde que trata de coragem e silêncio, que é algo mais ou menos assim: “Meus silêncios não me protegeram. O seu silêncio não irá te proteger”*. Pensando nos caminhos pelo qual seu trabalho tem andado, desse levantamento da memória para honrar e lembrar aquelas que vieram antes. Você acha que as instituições artísticas estão mais abertas e interessadas em quebrar esse silêncio sobre as Diásporas?


A.MO:Eu acho que as instituições brasileiras demoraram muito para se posicionar e a escassez de pessoas negras e indígenas nos poderes decisórios destas mesmas instituições não demonstra que as coisas estão realmente mudando neste sentido. Algumas instituições só reorientaram suas programações e curadorias por conta de um esforço de gerações de militância negra e indígena aqui no Brasil, mas também por um contexto mundial, em que essas discussões têm sido mais amplamente levadas em consideração. Sinto que alguns desses redirecionamentos só foram realizados para que as instituições não perdessem um certo verniz de “vanguarda” e de que estão atentas às questões mais atuais, mas ainda acho que essas ações são insuficientes e não propõem de fato um esforço continuado e a longo prazo no sentido de diminuir as enormes discrepâncias que vivemos, não só como artistas, mas em todas as esferas do campo artístico. Então, voltando a sua pergunta, sem uma mudança nos quadros destas instituições em todos os níveis de poder decisório, não existe uma mudança efetiva na quebra desse silêncio.




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por

Alexandra Martins


Sobre a autora

Alexandra Martins nasceu em Brasília e já morou em Fortaleza, Juazeiro do Norte e Salvador. Artista interdisciplinar, Investiga memórias, ancestralidades e identidades nas criações artística de performance, instalação, fotografia e vídeo. Mestra em Estudos de Gênero e Mulheres pela UFBA. Especialista em Estudos Contemporâneos em Dança pela mesma instituição. Especialista em Artes Visuais pelo SENAC-DF. Graduada em Comunicação, Jornalismo. Integrou o Grupo de Pesquisa em Performance Corpos Informáticos (UnB) e fez parte da coletiva Tete a Teta. Também fez parte da Feminaria Musical, Grupo de Pesquisa em Experimentos Sonoros (UFBA). Teve trabalhos selecionadas para apresentar no Tubo de Ensaio (Brasília); Performance Corpo e Política (Brasília); Lacuna: Mostra de Videoarte (Brasília); Ruído. Gesto - Ação e Performance (Rio Grande do Sul); Festival de Fotografia de Porto Alegre; II Mostra de Arte e Gênero (Florianópolis); Continuum: Festival de Arte e Tecnologia (Recife); Encuentro de Acción en Vivo y Diferido (Colômbia) e no Hemispheric Institute of Performance and Politics (México). Participou das seguintes residências artísticas pelo Nordeste: Corpo em Casa (Salvador) e Sala Vazia (Fortaleza).




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